agosto 07, 2009

Cárcere (IV)

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Foi então que no fim da noite ele decidiu lobrigar o retrato que tanto receava. A tez intumescida gritava às suas cicatrizes, abertas - escaradas. Eu fico, aguento e interpreto cada linha tortuosa no mesmo ritmo cardíaco com que alimentei cada erro. Fito seus olhos e não desisto. Indignado. Hostiliza esse mal, homem, e faz do teu torpor tua redenção. Não te entrincheiras abaixo das tuas sombras e lança tu - sim, soldado do tempo - lança tu estas granadas e destrói de uma vez esse último pilar que te corrompe e te priva do viço que fez crescer teus galhos e florescer os frutos que tantos já admiraram. Cansado. As mãos buscam ultrapassar o crânio e arrancar de dentro dos sulcos a resposta em que tanto aposta existir dentro deste hipocampo tão mal usado. Sofrido. E não, ele não limpou o lodo que reproduzia seus movimentos dentro do cárcere. Porque dali se enxergava o mundo. Suas costelas finas, seus entes caídos e mesmo a amargura daqueles que já morreram na vã tentativa de lá escapar. Apagado. Ele franze a testa. Eu me deito. Sinto o caminhar das lágrimas junto com a minha inspiração. Dialoga comigo. Empenho-me em compreendê-lo. Exaurido. Gargalha em pranto e aponta em mim o rosto falho que lhe falta. Não o olho mais. Tampouco o ouço. Não há mais lodo, não há mais graça. Não quis mais aguardar. E contra a brisa do crepúsculo hoje só brada o meu ofegar. Epifania. Os dias doravante mais secos; as noites, doravante mais ermas.


3 comentários:

Abelha de Gibran disse...

Eis o que eu, literalmente, ousaria chamar de uma magnífica catarse!!! Parabéns!

Nathy Feijo disse...

bah, só tenho uma coisa a dizer: sensacional.

Augusto Paim disse...

Marcos, gostei do espaço.
Eu sou mais da prosa que da poesia, mas podemos fazer um bate-papo hora dessas aqui em casa!
Grande abraço!