outubro 14, 2009

Sobre ideologia e inteligência

Ando pensando que a ideologia é um romantismo pessoal. Um querer muito grande, essa vontade que temos de mudar o mundo, de passar para as pessoas o que acreditamos e o que achamos que devemos fazer para que os nossos sonhos mais profundos possam se tornar realidade. Analisando este conceito, alerto que afrontar a ideologia de cada um é, de alguma maneira, afrontar os sentimentos de mudança mais bonitos e mais românticos na opinião intrínseca de cada indivíduo. A ideologia é incorruptível, ideal, perfeita, modela o nosso caráter. E vem muito ao encontro das nossas necessidades e dos nossos desejos. Contudo, a ideologia de todos não é igual à minha; tenho idéias mais libertárias, mais centristas e, por que não, mais esquerdistas. Penso em inúmeras formas de tentar fazer a minha parte e de "plantar a sementinha" da igualdade e da mobilização social no coração de todos, da minha forma.

Mas pensa comigo: qual é a ideologia certa? O que é bom para todos e para o mundo? Será que eu tenho a competência, a excelência e a experiência de dizer o que é certo e o que é errado para todos? Não, de forma alguma. Sei apenas o que é bom ou o que é ruim para mim, especulando o que pode ser bom para o mundo. Quando discutimos com alguém sobre o mundo, mudanças e alternativas que possam servir não só para o bem pessoal, mas para o bem comum (para que possamos viver em paz e comunhão), devemos ser muito cautelosos: muitas vezes acabamos por ferir e por afrontar as ideologias de nossos amigos interlocutores; meu querido, esta é uma falha lamentável. A maioria das pessoas não têm uma visão geral do todo, muito menos a maturidade suficiente para saber separar alguns pontos de vista das suas próprias ideologias. Resultado: não há a reflexão, gerando uma confusão por parte do amigo ouvinte, que mistura alternativa com ideologia. Ele não entende e, no mais profundo ataque romântico, defende sua ideologia como uma leoa defende sua cria antes de analisar o contexto. Muitos dos meus conhecidos que se dizem socialistas (alguns de discussão muito sofrida, diga-se de passagem) pensam na salvação do mundo do capitalismo e da selvageria da desigualdade antes mesmo de pensar em como tentar solucionar problemas pontuais com alternativas mais simples, como por exemplo, tocar os tiranos com uma discussão inteligente e cativante. Fazer a sua parte. Fazer com que eles nos ouçam, nos interpretem. Eles se recusam. Devemos estudar mais, não só os temas pontuais – e dominá-los para que não percamos a razão nos momentos de fraqueza -, mas também o interlocutor, que aqui chamo de adversário, para vencê-lo e convencê-lo. Eu sou da opinião de que discutir antes de conversar não é inteligente, não é sábio; também o fato de alguém não expor suas idéias (para não gastar bala com chimango), muito menos de não aceitar ouvir a opinião de outrem, burrice. A ideologia limita a conversação, muitas vezes. E o que vem a ser isso, preguiça? Intolerância? Hora do exemplo.

Esses dias estive em Brasília em uma audiência pública para tentar recuperar os estágios de férias perdidos pelos estudantes de medicina com a aprovação da nova lei dos estágios. O estágio extra-curricular optativo ajuda a complementar a formação do acadêmico de medicina (interessado) e qualifica a transformação deste em um bom médico, bem aquele que a população e o sistema único precisam. Em função de alguns pontos da lei, os estágios foram fechados pelos hospitais-escola, que se recusaram a pagar o seguro de vida dos estudantes, por exemplo, alegando não ter verba para tal. Os hospitais nos exploram algumas vezes; entretanto, os estágios são cedidos por eles. Claro que deveríamos ter uma formação curricular muito melhor para que o estágio não seja primordial, e sim opcional. Todavia, antes de pensarmos em uma reforma curricular, devemos recuperar os nossos direitos iminentes – neste exemplo os estágios -, negociando com os hospitais-escola e com os representantes dos parlamentares. Mostrar que somos bons, surpreendê-los, seduzi-los, mostrar confiança nos nossos argumentos para que a vitória seja no verbo, convencendo-os sutilmente; não é difícil. O problema é que lá estava um outro estudante que não teve postura ao expor suas idéias de maneira objetiva; o amigo não entendeu o contexto, pois estava pautando o tempo todo a reforma curricular, bem como estava atacando os representantes dos hospitais, subliminarmente chamando-os de exploradores. Te pergunto: se te afronto, terás a mesma sensibilidade em me ouvir do que se eu te tratasse com elegância? Se eu te ofendo, terei a tua confiança? E isso pode ser encaixado em qualquer realidade, em qualquer situação. A ideologia do nosso amigo, ou seja, a vontade que tinha em mudar o mundo e, posteriormente, em julgar os bastardos, obstruiu a sua capacidade de dialogar e de construir algo de bom, de concreto. Não deu alternativas, muito menos construiu resultados. Tentei dialogar com ele, para mostrar alguns pontos de vista sem perder o foco, mas o que ganhei foram afirmativas de cabeça e um e-mail escrito por ele endereçado a todos os estudantes de medicina, ignorando a minha presença na audiência, bem como a nossa conversa.

Lamento o entendimento de alguns de que, para ter inteligência, não se deve ter ideologia. Muito menos não relacionar estas duas variáveis. Ideologia é uma condição inata de todos nós. O problema é que a grande maioria não faz nenhum tipo de reflexão junto às outras ideologias existentes, muito menos tenta analisar o contexto geral, e muito, muito menos, saber como pensa o nosso adversário para que possamos cativá-lo e vencê-lo. Quanto mais inteligência (e aqui coloco todos os tipos de inteligência que o ser humano possui, lembro que inteligência não possui um conceito único), maior a capacidade de reflexão; logo, os conceitos estão diretamente relacionados. Não acredito que existam muitas pessoas com sangue ameno para discussão; todas têm sangue quente e são ávidas por uma discussão rica em fatos de impacto para a contenda.

A rebeldia faz parte deste romantismo; ser romântico, muitas vezes, é ser infantil e estar propenso à não-reflexão e à não-flexibilidade de idéias. Às vezes, precisamos dar um passo para trás para podermos dar dois à frente, como dizia o mestre Lênin; ora entrando em território inimigo para conversar, ora ouvindo mais, deixando as nossas ideologias de lado para entendermos as dos outros. As nossas, bem sabemos, relutam em dar este passo para trás. Que saibamos ter paciência e estratégia para cativar, para fazermos a nossa parte de forma ampla e efetiva.

5 comentários:

mocinhabraba disse...

"A ideologia é o grande limitador da inteligência."
Ao falar em "inteligência" já estamos rotulando as pessoas, o que acredito ser um erro, mas dentro dessa "lógica", o grande limitador dessa tal "inteligência" é a intolerância e o orgulho e não a ideologia.
A sociedade torna as pessoas tão competitivas que elas acabam esquecendo de refletir e esquecendo que o outro pode ter muito a compartilhar. O competitivismo é o grande limitador do crescimento coletivo, e quando eu era criança minha mãe me disse: "Não faça com os outros o que você não quer que façam com você", desde então, luto para que chegue o dia em que ninguém sofra e que possamos ser iguais, não luto por mim. Mas isso é um grande texto a ser desenvolvido...acabo me identifico com um jovem revolucionário pequeno-burguês de uma peça que li.

mocinhabraba disse...

Ouvi de um homem o seguinte "não ajude alguém que possa se tornar melhor do que tu". Doeu saber que as pessoas pensam assim mesmo...é, esse competitivismo é uma praga mesmo...a grande doença do mundo.

mocinhabraba disse...

ah, e desculpa por mais esse comentário mas "Sonhos. Acredite neles!" Lênin.

A.C.G. disse...

então o rapaz esteve em brasília... by the way, as poesias continuam boas mas o texto tá uma bosta

Quésia Ribeiro disse...

Olá!
Em primeiro lugar, gostei bastante dos teus textos.
"Sobre ideologia e inteligência"

Em minha humilde opinião, são duas coisas inerentes ao ser humano. Todos que habitam sobre a face da Terra são dotados de ideologia e inteligência. O ponto é: Todas as ideologias e inteligências são boas, construtivas, altruístas? Todos possuem a ferramenta, mas todos sabem usá-las ou agregar valor a elas? E a resposta é um NÃO bem grande em alto som, que reflete em nossa sociedade através das atitudes e posturas adotadas pelos os que dela participam. Ter boas ideologias e uma grande inteligência, sem possuir sabedoria, diplomacia e perspicácia, é ser como um guerreiro que apesar de ter uma força bruta digna de sansão (o herói bíblico), não sabe utilizá-la de forma adequada e eficaz. O que vejo muito são pessoas ou como Sócrates (que valorizava e buscava sempre a essência, o significado, a verdade das coisas) ou como os Sofistas (que eram mestres na arte do discurso). Muita gente com o coração inflamado de boas ideologias e vontade de fazer o bem (e me refiro neste ponto ao bem universal e não o proporcional – o bem na proporção das diferenças culturais, religiosas, enfim...) e mentes brilhantes que buscam avidamente por soluções que modifiquem o mundo. Mas, infelizmente, por mais que nosso universo interior esteja trabalhando “a todo vapor” para tais mudanças, se não houver externalização de tudo isto, será em vão. E neste ponto concordo contigo, não basta apenas pleitear com vigor por mudanças, é primordial que saibamos fazer isto. Portanto, devemos ser como Sócrates em busca de nossa ideologia (que deve ser constante, ideologia não deve ser estática, nada deve ser estático. Do contrário, será apenas mais um conceito ultrapassado e inaplicável.) e aplicar isso como os sofistas. Afinal, as maiores batalhas não foram vencidas com a força bruta.
Quésia Ribeiro
Estudante de Direito – Brasília/DF
Para réplica, segue meu contato: http://www.orkut.com.br/Main#Profile?uid=6130797163293219809&rl=t