fevereiro 15, 2013

Às cinco e quatorze

- Nós vamos nos mudar.

Ao terminar de ouvir a última palavra, ele vira o corpo na cama em sua direção, trançando a perna no lençol. Observa a maneira como ela contempla o teto, esboçando um certo medo no olhar como se as paredes fossem nuvens cinzas na tempestade. Entretanto, antes mesmo de abrir a boca, é interrompido:

- Não sou mais o que este pequeno universo espera que eu fosse. Estas ruas são regadas pelas minhas lágrimas, crescidas pela luz dos sorrisos nas minhas vitórias. Todos os meus receios escondem-se na sombra destas árvores. Mas o ar está espesso. Estou prestes a desapontar este meio.

Ela levantou-se e foi em direção à janela: a rua vazia dava passagem ao vento que de tão úmido cruzava o vidro a resfriar os seus descontentamentos. Lembrou de quando atravessava aquela calçada há alguns anos atrás admirando esta mesma janela, sonhando com o dia de estar dentro dela, alimentando novos sonhos. 

- A vida é frágil demais para pensar muito; meu tempo aqui acabou. O mundo é infinito para uma única passagem e esta terra reconhece que cada raiz aqui enterrada por meus calcanhares perdeu espaço. Agora ela me expulsa para que eu volte mais forte, mais combatente. Todos nós ouvimos este chamado em algum momento. Mas são poucos os que o obedecem. E este alerta não é pronunciado duas vezes: ouvi-lo e ignorá-lo significa passar a consumir este chão, a sobreviver às suas custas sem retribuir com a mesma intensidade que usurpamos sua energia. Não sou um parasita da terra. Não somos. Festejamos a alegria do êxito quando nos tornamos modificadores do curso do nosso futuro.

Em pé em frente a luz amarelada que vinha da janela, olharam-se por alguns segundos. Vestiram-se. Ela empunhou a bolsa; ele, as chaves.

O som do bater da porta é o som de um tiro acertando a hipocrisia de quem queixa-se da vida sem batalhar, sem fazer por merecer. 


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Felicidade não é ser, é estar. 
É um prêmio a ser conquistado diariamente, a cada passo, a cada detalhe. 

Um comentário:

Unknown disse...

Querendo ele conduzi-los, ela sempre indicará a trajetória.
Acho que este é o meu preferido. Que lindo, Marcos.