fevereiro 02, 2013

Ressurreição

Achei que pudesse ter vivido outros amores. Mas viver um grande amor é o viver o amor que incomoda, o amor que tem um gosto estranho. Se apaixonar-se é tomar gosto pelo incômodo, amar é querer incomodar-se todos os dias. É querer provar diariamente um sabor que ainda não descobrimos se é doce ou amargo. 

Não tive a experiência de grandes amores até sentir que não tenho andado muito bem. Uma comichão que aumenta quanto mais coço. Sinto que ela irrita, mas também diverte, vicia. Teimosa, sinto orgulho da minha independência precoce e não vivo sem vinho e sem amigos. O som do rádio sempre foi um companheiro fiel - até pouco tempo atrás, quando comecei a ignorar a sua frequência pra começar a dar valor aos meus devaneios e às minhas lembranças com o amor que tenho vivido. 

Confesso que vivo tão apaixonada que me incomoda quando o amor quer correr às ruas de Porto Alegre, me deixando sozinha. Me incomoda mais ainda quando ele volta logo e me convence, nos seus braços, entre risos, de que eu sou a mulher mais exagerada do mundo. E a comichão volta quando percebo que estou entregue ao exagero. Tentando mostrar que sou forte, tento reatar com o rádio pra escutar algo e pensar em outras coisas, mas deito na cama e desejo morte ao amor quando percebo que a sua camisa está em cima da minha cama, esquecida, de propósito. 

Nós sabemos disso. O grande amor é amargo, mas insistimos que é doce de teimosas que somos; por isso não paramos de prová-lo, pois o gosto não termina, incomoda nas papilas. 

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E esconde a passagem do tempo. 

Um comentário:

Unknown disse...

Essa poesia injusta me faz suspirar pela lembrança do cheiro do "pijama" deixado na minha cama. Leitura apaixonante, para sempre.