fevereiro 07, 2013

Ressurreição II


Ao ajoelhar-me à beira do lago, ouvia algo a me chamar da água.

O reflexo da cicatriz em cunha que carrego no peito, outrora esquecida, voltou a gritar. E o som me fez recordar. 

O brilho alvo da lua parecia realçar a pele crua tão intensamente quanto o fogo do calor que a forjou. Neste mesmo lugar oferendei as armas ao solo e fui ferido, condenado a viver e a sofrer não só a dor da carne, mas também a dor da vergonha da derrota, que me acompanhou durante os dias e me atormentou as noites dando a impressão de que estava fadado a viver como sombra do meu passado. A dor me ensinou a imaginar, a lutar com as outras partes do meu corpo. A vergonha me devolveu a humildade da fragilidade, fazendo se execrar a idéia que tinha de que era imbatível e de que minha mente era a fonte de todo o poder. As punhaladas, a cada inspiração, me traziam à razão, expirando aos poucos as emoções e as falsas esperanças. 

A ferida enfim calou-se no momento do reencontro. Ao admirá-la, não cerrei os punhos. Não parti em contenda, o brado por vingança emudeceu-se. Ao cruzar os olhos por seus pontos, da terra a paz criou raiz sólida em meus alicerces. Levantei-me, pus as mãos ao centro do tórax e parti em direção a um novo destino. Quem sabe à formação de um novo corte, de um novo tempo.

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O que está marcado na pele não sai da lembrança.
A arte da experiência, o sabor da sobrevivência.

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